O FUTURO DO MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIA EXIGE PONDERAÇÃO E RESPEITO


Com a publicação da saudação do Dr. Luís Raposo aos Amigos do MNA, do artigo do jornal Publico e da notícia da Antena 1, todos abaixo transcritos, chega ao fim a missão deste blogue independente,
feito por alguns amigos do MNA.

A luta travada nos últimos anos em defesa do MNA, impedindo a sua transferência para a Fábrica da Cordoaria Nacional, foi coroada de êxito.

Ao Dr. Luís Raposo desejamos as maiores venturas na continuação da sua carreira profissional.

Se um dia o MNA voltar a estar em perigo, regressaremos,

porque por agora apenas hibernamos.




sexta-feira, 9 de abril de 2010

Ainda a "mudança" do Museu Nacional de Arqueologia, por António Carlos Silva

Mais um testemunho de alguém que conhece profundamente os desenvolvimentos da arqueologia portuguesa nas últimas décadas... Aqui faz-se história, também.

Na nota introdutória à corajosa entrevista de Luís Raposo à revista Visão do passado dia 1 de Abril, regista-se que aquele arqueólogo dirige o Museu Nacional de Arqueologia há 14 anos mas ali trabalha já há 30. Este dado cronológico não deixa de ser relevante para a circunstância que está na origem da entrevista (a pública ameaça de demissão do entrevistado por desacordo “técnico” em relação a uma decisão “política”) na medida em que a larga experiência assim demonstrada, não deixará de credibilizar a opinião em causa. No entanto, aquele algarismo “redondo”, que nos remete directamente para o ano de 1980, está longe de representar no contexto da Arqueologia portuguesa, uma simples efeméride individual…
Com efeito, em meados daquele ano, face a um conturbado período por que estava a passar o então designado “Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia” (graves conflitos entre funcionários, encerramento ao público, desaparecimento de importantes artefactos…), Vasco Pulido Valente, Secretário de Estado da Cultura do Governo da Aliança Democrática dirigido por Sá Carneiro, convidara Francisco Alves, o arqueólogo que anos antes fundara com reconhecida eficácia o Campo Arqueológico de Braga, para reabrir o velho Museu de Belém e lançar as bases de uma estrutura de gestão da Arqueologia portuguesa no âmbito do novíssimo Instituto do Património Cultural (o IPPC, antepassado directo o IPPAR e actual IGESPAR) então em formação. A missão não era fácil mas Francisco Alves aceitaria o desafio com duas condições prévias: “carta branca” para constituir uma equipa de “arqueólogos”, numa época em que a profissão praticamente não existia, e abertura do Governo à criação de Serviços Regionais de Arqueologia capazes de responderem no terreno às crescentes exigências que o desenvolvimento do país colocava à arqueologia de salvamento. Vasco Pulido Valente alinharia, facilitando o destacamento de mais de uma dezena de professores com prática arqueológica e acrescentando à Lei Orgânica do IPPC, uma pequena estrutura de arqueologia descentralizada (a única até à criação do IGESPAR e respectivas direcções regionais) com serviços regionais em Braga, Coimbra e Évora. Obviamente, tanta “generosidade”, também teria o seu “preço”… A nova equipa tinha de reabrir o Museu em tempo record (“antes das eleições presidenciais” que ocorreriam no final desse ano) e com algo que se “visse”. Definidas e aceites as “regras do jogo”, o grosso da equipa, entraria no Museu Nacional de Arqueologia apenas no dia 1 de Outubro de 1980, onde Francisco Alves e alguns colaboradores mais próximos preparavam já duas grandes exposições para a reabertura do Museu. Tive a sorte de estar nesse grupo, com outros colegas da minha geração, saídos poucos anos antes das Faculdades de Letras de Lisboa mas também de Coimbra e do Porto, e naturalmente entre eles também estava já o actual Director do MNA. Curiosamente poucos seriam simpatizantes da AD, bem pelo contrário, mas ninguém se enganara ou fora ao engano – a política era então algo bem mais transparente - e em Dezembro desse mesmo ano, praticamente nas vésperas do acidente aéreo que o vitimaria, Sá Carneiro inaugurou no MNA, no que seria o seu último acto público como 1º Ministro, as duas grandes exposições, “A 2ª Idade do Ferro no Sul de Portugal” e “Tesouros da Arqueologia Portuguesa”, que marcariam não só o “renascimento” do Museu de Belém mas também toda uma nova fase da Arqueologia portuguesa. Convém recordar que o Departamento de Arqueologia do IPPC que coordenava os respectivos Serviços Regionais, funcionaria durante alguns anos no próprio Museu, e não apenas por questões de falta de espaço no Campo Grande ou na Ajuda… Retomando uma tradição que remontava à fundação do próprio Museu, as suas estruturas (laboratórios de restauro, armazéns, biblioteca…) e os seus técnicos alargavam a sua intervenção ao terreno sempre que a salvaguarda do património arqueológico o exigia. E nessa altura, Departamento de Arqueologia do IPPC e Museu, não apenas compartilhavam espaços e meios, como muitas vezes integravam projectos comuns, contribuindo para o desenvolvimento de novas e indispensáveis estruturas da Arqueologia portuguesa, como a “Arqueologia Subaquática” ou os “Laboratórios de Investigação Paleoambiental”.
Muita coisa aconteceu desde então. Depois de uma fase de grande expansão da Arqueologia de Salvamento promovida directamente pelo Estado, via Serviços Regionais de Arqueologia, assistiu-se a uma grave “crise de crescimento” no início dos anos 90, provocada pela incapacidade daquele modelo responder às cada vez maiores exigências de salvaguarda impostas às obras públicas ou privadas. A criação do IPA, na sequência do caso mediático do Côa, representou o último fôlego de uma resposta que na Cultura passava pela fragmentação de competências por novas instituições. Ainda assim, o IPA mais do que uma estrutura nova, representou, a congregação de pequenas unidades antes dispersas, (algumas delas nascidas no próprio MNA) funcionando como interface disciplinador entre as obrigações do Estado nesta matéria e as empresas de arqueologia que nasceram então para dar resposta às exigências de salvaguarda patrimonial em ambiente de obra. O Museu, entretanto, voltara-se mais sobre si mesmo, com óbvias vantagens no que respeita à gestão, estudo e divulgação das suas vastas colecções, privilegiando o contacto com o público, mesmo com a sua crónica falta de espaço, através de grandes exposições temáticas, conferências ou visitas de estudo. E, tirando partido do sítio magnífico em que se localiza, tornar-se-ia rapidamente num dos mais visitados Museus Nacionais.
Quem esteja, pois, minimamente a par da história das últimas três décadas do Museu Nacional de Arqueologia, compreenderá melhor do que ninguém a “angústia” do seu Director, perante as “perspectivas” que se lhe deparam e os extraordinários “exemplos” dos recentes processos de “decisão” e “planeamento” associados ao projecto do Museu dos Coches e dos danos colaterais provocados, irresponsavelmente, na Arqueologia portuguesa. Apesar da decisão estar tomada há vários anos pelo Ministério da Economia (?) foi preciso a empresa construtora começar a derrubar os muros dos edifícios onde o IPA funcionara durante uma década, para o Ministério da Cultura “acordar” e começar a procurar “instalações” para os serviços que ali continuavam “teimosamente” a funcionar. A utilíssima “Biblioteca do Instituto Arqueológico Alemão”, oferecida ao Estado Português, foi entretanto encaixotada, os arquivos da Arqueologia Portuguesa, foram para os corredores do Palácio da Ajuda, os laboratórios (já praticamente sem pessoal) mudaram algures para a calçada da Ajuda e o valioso espólio e complexo equipamento da Arqueologia Subaquática, finalmente transitou, há poucas semanas, para o MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa ?) lá para os lados de Camarate.
Penso que é hoje claro para toda a gente que o Director do Museu não se opõe, bem pelo contrário, à ideia da mudança para outro espaço com melhores condições (pese embora a natural frustração de quem há uma década investe em sucessivos projectos de requalificação do espaço actual), julgo que nem lhe repugnará até a solução da Cordoaria Nacional, uma vez comprovado que a sua localização não oferece maiores perigos do que os comuns à zona Ribeirinha em geral e elaborados os indispensáveis estudos e projectos… Tal solução, poderia até relocalizar no próprio Museu as estruturas que neste foram fundadas há três décadas e que hoje se encontram dispersas e moribundas. O que certamente o assusta e o obriga a tomar, em consciência, a presente posição, são as decisões precipitadas, tomadas sob o “síndroma” da carambola, ao arrepio de qualquer arremedo de planeamento. E se no caso das estruturas do exIPA, as consequências estão já à vista, imagine-se o que aconteceria à Arqueologia Portuguesa com o desmantelamento precipitado de uma instituição centenária como o MNA, guardiã de vastas e complexas reservas arqueológicas, cuja exemplar reorganização e funcionamento, são talvez uma das heranças mais preciosas do trabalho da equipa de arqueólogos que, pela mão de Vasco Pulido Valente (imagine-se!) entrou há três décadas naquele Museu.

António Carlos Silva

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